segunda-feira, 31 de maio de 2010

Labirinto





Conta a mitologia grega que Dédalo foi um hábil artesão. Marcado pela tragédia, afinal é grego, foi ele quem construiu asas de cera e voou ao lado do filho Ícaro. Esse, extasiado com a incrível sensação de voar, saiu de perto do pai e ao aproximar-se do sol teve as asas derretidas e foi arremessado nas águas azuis do mar.
Dédalo também foi o construtor, a pedido do Rei Minos, do famoso Labirinto de Creta de onde Ariadne ajudou o herói Teseu a fugir do Minotauro.

Segundo o dicionário:
Labirinto (la-bi-rin-to)
s. m.
Construção de muitas passagens ou divisões, dispostas tão confusamente que com dificuldade se acha a saída. Essas construções são encontradas em muitos parques de diversões. Muitos brinquedos e jogos são baseados no modelo do labirinto. Os psicólogos usam os labirintos em experiências que se destinam a testar as reações dos animais.
Parque ou jardim cortado por caminhos tão entrelaçados que facilmente se perde a pessoa que nele penetrou.

Já para os esotéricos, labirinto significa o nascimento e a morte, tendo como seu maior significado a purificação para o sagrado. ..


Estava essa noite, mais uma sem dormir, pensando em Dédalo e no enorme laririnto que andei construindo pela vida...
Fico com a sensação de que fui aos poucos, lentamente, pedra por pedra, erguendo muros, escavando caminhos, desvios, atalhos, encruzilhadas até chegar no desenho, confuso e caótico que não obedece lógica nem tem sequência previsível.
Certos trechos podem ter muitos e muitos metros aparentemente planos, sem desvios ou truques perceptíveis mas, acabam dando, invariavelmente, diante de uma parede sem saída, noutros, apenas abismos e escarpas.
Dentro dele existem ruas e vielas belíssimas, floridas, cheias de rios, de mares, de aves e de muito riso. Noutras é apenas noite, sem luz, sem nenhum traço de vida.
E bem ao contrário do sábio Dédalo, construi o meu labirinto particular em volta de mim mesma e acabei, sem me dar conta, prisioneira de minha criação.
E agora, após tanto trabalho e caminhada, busco com urgência o começo ou o fim do meu labirinto...
Sempre penso em Mitologia e em suas simbólicas fábulas contadas.
Talvez o objetivo do labirinto seja me isolar de todo " externo e conhecido" e busque me colocar diante de desafios para os quais todas as respostas estejam apenas comigo, sem ajuda ou influências de fora.
Tento imaginar o meu estranho labirino como um desafio a ser resolvido, um jogo a ser solucionado e isso, de certo modo, me consola e anima...
A verdade, entretanto, é que me sinto, nesses dias complicados, meio vitima de mim mesma, de meus sonhos e ilusões, de meus erros de julgamentos e de meus afetos desperdiçados...E aí, dentro desse emaranhado de escolhas e indecisões, propostos por mim mesma, me perco e me confundo.
Estou aqui, dentro dessa construção que imaginei e criei, lidando com esses muros e paredes, com idas e vindas, com novos e velhos caminhos. No labirinto.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Outono





Já havia lido sobre isso e acabou acreditando.
Havia mesmo relação entre a natureza, o universo e as pessoas...
Não fazia muito tempo que percebera, junto com o outono recém chegado ela estava também se recolhendo...
Sentia uma afinidade imensa com essa estação. Tudo fazia sentido, o ar mais cortante, as folhas se vestindo de amarelo, o dia sumindo mais cedo, as manhãs geladas e o sol morno, tudo muito agradável...
Foi no dia em que percebeu, forte e impactante essa similiaridade com o outono, que parou para pensar.
Aconteceram tantas primaveras de uma infância permeada por descobertas, por tantos canteiros floridos e colos amorosos...Tempo de descobrir, de ver cores explodindo em árvores, vida nos dedos que deslizava suaves nos pêlos de cães e gatos, tanto o que surprender, tantas primeiras vezes...
E o verão? Ela lembrava dela mesma animada e cheia de risos como os muitos verões, havia nesse tempo muitos projetos, tantos sonhos, tantos longos dias e longas noites de busca, de corrida atrás de vida, da vida ela mesmo sendo sorvida em grandes goles, despreocupada, inconsequentemente. E amores, que morriam e nasciam sob sol quente, sob águas azuis com a promessa de serem eternos...E esses verões duraram tanto, mas tanto tempo que pareciam estar ali, ainda vizinhos...
Mas hoje sabia-se como o outono. Serena, sem sobressaltos, sem grandes contrastes. Havia uma sabedoria nesses dias, não a calmaria indesejada que atrapalha grandes navegações, mas a do mar ameno, sem ondas, mas ainda com horizontes...
E os amores? Agora, os que a atraiam, eram os feitos através afinidades, vivido mais por longos e delicados silêncios do que por palavras sem sentido. Sabia amar de longe, sabia amar sozinha e por olhares, sem toques, sem excessos, sem nada esperar.
Espera, sim essa era a palavra chave. Não havia mais esperas, nem ansiedade, portanto não havia mais desespero.
Tudo parecia certo e em ordem, tudo parecia longe dos extremos. E era bom estar assim.
A mulher sorriu diante desses pensamentos.
Lentamente ela se levantou do sofá, ajeitou pequenas toras na lareira de tijolos e ateou fogo. Lá fora o dia morria, o sol, sem fúria ainda deixava um halo suave nos galhos das árvores da rua. Um vento mais frio começou a soprar, ela se aninhou no braço reconfortante do sofá e ali permaneceu. Até a noite chegar. Iluminada apenas pela luz que escapava das brasas incandecidas.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Eu não disse ? Anjos existem...



Sempre escrevo aqui, e em todo lugar, que anjos existem!
Problema: não possuem lindas asas, nem translúcidas túnicas, nem andam com halos de luz sobre as cabeças e muito menos tocam harpas.
Estão sempre incógnitos, meio camuflados e podem aparecer em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias. Numa avenida movimentada, na fila do cinema, no elevador, como filhos, mães e amigos.
Ahhh...amigos, esse é o disfarce preferido desses seres...
Sabe aquela palavra que chega na hora exata? O abraço silencioso que fala tudo sobre muito? Ou o e-mail com um texto ou canção sob medida ao nosso estado de espírito? Pois é, obra deles.
Não sei dizer o que me acontece, se tenho o olhar " calibrado" para reconhece-los, ou se pelo simples fato de acreditar, eles sempre me aparecem nos momentos mais incríveis.
Até num show de rock! Não acredita?
Encontrei um no último sábado. Show do ídolo tão esperado e uma tentativa minha, aflitíssima, de burlar a segurança, o staff, todo mundo e conseguir um autógrafo...
Ali, no meio de outros tantos fãs já quase desanimava quando ele surge.
Na forma de um homem gentil, belo e carismático e de olhar agudo. Peço ajuda, assim do nada. Ele olha, pára um segundo e me estende as mãos. No segundo seguinte toda a barreira sumiu, estava dentro, nos bastidores, entre músicos, imprensas, com o ídolo na sala ao lado.
Logo o anjo sumiu, havia cumprido sua missão generosa. Pude conseguir o autógrafo esperado por 40 anos!
Esse anjo, descobri depois, também é músico e ao invés de harpa usa uma linda guitarra elétrica e toca blues! Tem seu talento reconhecido por outros grandes músicos, é famoso e se chama Marcos Ottaviano.
Pude encontrá-lo, via amigo querido e agradecer. Ele me contou uma linda história, parecida com a minha, de um dia também ter conseguido estar perto de seu ídolo.
Os anjos são assim, bons, generosos, gratos e gentis. Conhecem as dores e angústias de outros, tem o coração aberto aos outros corações.
É isso. Para os mais céticos não vou me cansar de afirmar: anjos realmente existem.


ps- Coloquei uma foto tirada ao lado do meu anjo, para provar que não minto!
ps2- anexo link do grnade músico Marcos Ottaviano
http://www.youtube.com/watch?v=lK4iAkZwIxQ&NR=1

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Paixão bem resolvida!

Paixão é bom demais! Bem resolvida melhor ainda!!!
Não, não falo das nossas paixões cotidianas, possíveis, reais.
Falo de um tipo que paira acima dessas: a de um fã por seu ídolo.
Há exatos 40 anos descobri e me apaixonei por um moço esquisito, albino, meio vesgo, magro, sempre de preto, chapéu texano e com lindos, longos e lisos cabelos sem cor ( é albino!!!).
Quando o vi pela primeira vez ele estava em Woodstock (69) com sua música alucinante, rock-blues fundido em acordes inesquecíveis!



Foi paixão! Fulminante. Pra sempre...
E a busca incessante, nesses 40 anos, por Vinis, depois CD´s, DVD´s, imagens e uma raridade, um vinil, pirata, gravado em meados da década de 70, ele recém saido da reabilitação por dependência de heroína. Meu ídolo quase engrossou a lista de outros tantos que sairam meio sem avisar, da música e da vida.
Um mago na guitarra, um bruxo no visual e no virtuosismo.
Muitos anos se passaram, muita música boa, a paixão sempre alimentada, sempre um sonho, meio distante, de ve-lo num palco, ali, acessível aos olhos e ouvidos.


Sábado, 22 de maio de 2010, 40 anos depois estava ali, mãos frias, coração aos saltos, vi Johnny Winter assim, de perto e ouvi a música que vive em meu coração e me mantém jovem por tanto tempo. Nó na garganta, corpo sacudido pelo ritmo e acordes, como se ainda estivessemos na década de 70!
Bem tiete, bem doida, fiz conchavos com garçons, seguranças e ainda contei com a ajuda de um " anjo-da-guarda", músico, outra pessoa iluminada, que tocou no show de abertura, para conseguir entrar na área restrita. Ali, há uns 20 metros, vi meu ídolo, silencioso e enigmático autografar meu ingresso. Fui uma das 10 pessoas a quem ele concedeu essa honraria.

Descobri que minha paixão está bem resolvida, que está viva e passa bem.
Que podemos, eu e Johnny, ter envelhecido, afinal 40 anos não são 40 dias, mas que o amor ainda existe. Que a mesma mágica acontece quando ele corre seus longos dedos pelo braço da guitarra.
Sua música, parte importante da trilha sonora de minha vida, de minha adolescência, brilha como sempre, como nunca e enche os espaços e faz o milagre que só o rock e o blues conseguem fazer: a certeza de que estamos vivos.
Como o nome de um dos seus mais belos discos: Still Alive and Well.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Anjo






Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam... ( Clarice Lispector)


Já tinha encerrado o capítulo fraldas e mamadeiras. Fazia tempo.
A vida não deixava mais muito espaço para sonhos cor-de-rosa ou paixôes avassaladoras. Isso ela achava.
Mas o fato é que acreditava em fadas, duendes, astros, ajudas misteriosas, vida em outras dimensões. E em anjos.
Como espécie de doença cronica, seguia acreditando, mesmo diante do pragmatismo de tudo.
Uma amiga, leitora de coloridas cartas de Tarot havia previsto. E ela não soube se poderia acreditar. Teve dúvidas.
Um dia, entretanto, dentro do ventre já distendido e saliente ela sentiu...Delicado, quase um múrmurio como o som do vento nas folhas das árvores... Como o farfalhar de asas, de pássaros, de aves, de anjos...As asas de um anjo ensaiando futuro movimento. Era um anjo que carregava dentro de si, tinha agora a certeza.
E ele chegou num dia ensolarado e frio de maio, às portas do inverno, como uma promessa de primavera futura.
E cresceu como linda, bela, belíssima menina, às vezes brava e teimosa, às vezes meiga e delicada. E era e é mesmo um anjo onde ela, sua mãe, deposita toda a esperança e encontra o colo e afeto que o mundo tenta esgarçar...
Todo maio ela agradece e comemora sua chegada e concorda com a frase de Clarice Lispector: eles existem mesmo.

Para Luiza e seus 22 anos, que tem a dificil tarefa de tomar conta e amar essa mãe tão complicada.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Tesoura do Desejo



- O que é que houve, meu amor, você cortou os seus cabelos?
- Foi a tesoura do desejo, desejo mesmo de mudar
( Alceu valença- Tesoura do Desejo
)

Lembram da história de Sansão e Dalila?
Está no Livro dos Juízes e rendeu um filme, lindamente cafona, com um dos meus ídolos: Victor Mature ( e sua inesquecível " arqueada" de sobrancelhas!).
Há um lindo fetiche ligado aos cabelos...
Nosso herói, nazareu, usava longas madeixas e era o terror dos inimigos por conta de sua força descomunal. Belo dia, Dalila, agente infiltrada, com sua sedução e artimanhas descobre seu segredo e corta a longa cabeleira enquanto Sansão dorme. Pronto, a força acabou, ele é aprisionado e morre um espetáculo do templo inimigo.
Foi aí que, sem querer, acabei traçando um paralelo comigo. Só que ao contrário.
Estou sempre mudando os cabelos, seja cor, comprimento ou corte! Não existem 2 fotos que tenha tirada em situações diferentes que os meus cabelos estejam iguais.
Observei algo interessante, sempre que não estou bem, quer me sentindo depressiva, ansiosa ou mesmo com algum problema aparentemente sem saída, corto os cabelos!
Lógico que nem sempre são esses os motivos para dar uma " rapelada" nos cachos. Gosto de mudar, gosto de cara nova mas os cortes mais radicais que fiz foram sempre sob tensão ou tristeza.
Sexta passada foi assim.
Durante a semana, na mesma medida que a aflição aumentava mais tempo ficava parada diante da imagem no espelho me sentindo bastante incomodada. Penteava para um lado, para o outro, colocava gel, pasta, mousse, arepiava, alisava até que cheguei no limite : prendi com elástico! Aí bateu o desespero, pois nessa altura dos 50 e alguns anos, rabo de cavalo é de doer! Mais que perversão ( vamos combinar, rabo de cavalo é para jovens meninas e "teenagers"), era sinal claro que estava mergulhando numa temida depressão...
E foi assim que, mais uma vez, num salão de cabeleireiro, vi, lentamente, as mechas irem caindo, caindo...e uma imagem, meio engraçada de um " quase menino" com pouquíssimo cabelo, surgiu refletida.
Pois é, Sansão, temos, nós dois, assuntos com cabelos. No seu caso devem ser longos para que mantenha sua força e coragem, no meu, cortados, para que sinta mais leve e com os neurônios mais " arejados".
Estou ótima, passo a mão pela cabeça e sinto uma quase penugem macia no lugar das antigas madeixas pelos ombros...É uma sensação boa, me sinto arrumada, com estilo, quase renovada, com esperanças e alegria.
Estou pronta para as batalhas que tenho que travar. Até o próximo corte ou cor.
Como um mutante, um camaleão.
O bom disso? Cabelos sempre crescem, portanto tenho ainda infinitas possibilidades de mudar e de experimentar todas as novas imagens que quiser ter!

Boa semana.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Para Sofia e Laura








Sofia e Laura

Escrevo para vocês com a idéia de contar um pouco sobre sua bisavó.
Sempre acreditei que as pessoas, enquanto nos lembramos delas, não morrem nunca!
E não quero que a linda pessoa que foi minha mãe, sua bisavó, desapareça quando eu me for...
Quero escrever um livro com todas as histórias que vivi com ela, projeto que comecei faz um tempo, mas agora, nesse blog, adianto um pouco para vocês, minhas netas amadas.
Sua avó possuia duas coisas raras (e juntas) num ser humano: a beleza física e a beleza interior..
Era uma mulher linda, de párar as pessoas, cheia de carisma e charme.
E a alegria? Incrível, esfuziante, um amor à vida, às pessoas, a tudo que vive e se expressa...
Um coração leonino, generoso, que não olhava muito a quem ajudar e ao mesmo tempo uma delicada fragilidade emocional que a fazia ter medo, muitos medos...
Sua bisa era única, apaixonante, divertida e foi uma mãe que sempre acreditou no juízo e valores da única filha que teve, eu, sua avó.
Com ela aprendi a amar o cinema, a música italiana, os livros nos quais ela enfiava a cara por horas e horas seguidas...
Minha mãe tinha luz e vida próprias, no seu jeito de se arrumar, no gosto pelas pulseiras, muitas, nos braços, nos echarpes cheios de cores no pescoço, que mesmo após a triste operação que sofreu, nunca escondeu, ao contrário, enfeitava, mostrando com isso que tudo pode virar festa, virar riso, virar beleza.
Para ela todas as pessoas eram boas, todos eram dignos de sua atenção e ajuda. Todos. E todas as decepções pelas quais passou não diminuiram essa fé absurda, essa enlouquecida vocação de ver tudo com bons olhos e muito amor.
Quando você, Sofia, minha primeira neta, nasceu, quis ter sua bisa ao meu lado. Fazia exatamente um ano que ela tinha ido embora...E no meio de tantas comemorações com sua chegada, Sofia, eu chorei sozinha, num lugar escondido, querendo tanto o colo de mãe, da minha mãe, para dividir essa imensa tarefa que a vida me delegava: ser sua avó...Ai me lembrei dela de outro jeito, da avó que ela tinha sido para meus filhos, para seu pai. E pedi, em silêncio, que conseguisse, um dia, ser um pouco assim...
Laura, meu anjo de porcelana, quando você chegou, depois de tantos sobressaltos, entreguei mais uma bisneta, para que ela, minha mãe, sua bisa, onde estivesse, pudesse acompanhar os teus primeiros dias, tua vida e história, nesse mundo tão complicado...
Fui mãe de seus pais muito jovem. Errei e acertei por mero acaso. Todos os acertos vieram de sua bisa, de suas certezas e seu afeto.
Fui mãe, de novo, mais velha e sua tia Luiza até hoje não se separa de edredon que ganhou como presente carinhoso, cheio de gentileza e carinho dessa mulher que deixou um vazio enorme quando foi embora.
Queridas meninas, netas do coração, vocês tem sorte, muita sorte. Vieram amadas, queridas, esperadas. Vieram encher a minha vida de luz e esperança, me devolveram o cheiro de bebê, as frutas raspadinhas na colher, as brincadeiras e canções de roda.
Vieram de uma família de mulheres fortes, doidas, obstinadas e cheias de alegria.
Vieram de sua bisavó, de quem herdarão tudo isso e muita, muita luz pela vida afora.


Com carinho e em homenagem ao Dia das Mães.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Mentiras sinceras...interessam?

Mentiras sinceras, acho bem simpática essa expressão.
Paradoxos me agradam. E mentiras sinceras idem...
Será que não me faz bem aquele elogio gratuito, descomprometido e nem sempre coerente? Lógico que sim.
Quem não gosta de se sentir valorizado, reconhecido, amado ou admirado? Só doido não...E como a minha doidice ainda não avançou até esse estágio, sigo gostando.
Ok, o compromisso com a verdade e sinceridade nos foi administrado já com as primeiras mamadeiras, tem que falar a verdade, não mentir, não se omitir, mesmo pagando preço alto por isso...Lembro de minha mãe dizendo: fale a verdade sempre, por pior que seja e mesmo que tenha feito algo horrível sua punição será menor. Será?
Está certo, existem mentiras e mentiras, umas de doer, que prejudicam, que causam mal, que podem destruir vidas e pessoas. E reputações. Dessas não gosto.
Mas tem aquelas inocentes, quase caridosas, que podem servir para levantar o astral e autoestima de qualquer um.
Todos mentimos, quer ver?
Mandamos dizer que não estamos em casa para não atender um chato ao telefone, aumentamos um pouquinho nossa renda ao pleitear empréstimo no banco ou um novo limite no cartão de crédito, mentimos sobre calorias ingeridas, sobre o número de cigarros que fumamos, sobre a vida saudável que não levamos, enfim, mentimos.
Mas as mentiras sinceras de que falo são outras, são as que nos fazem bem: o amado dizer que estamos lindas mesmo que tenhamos passado a noite sem dormir e tenhamos a aparência do conde Drácula, que nosso macarrão " ao pesto" é o melhor do mundo, que
acertamos num comentário, que somos inteligentes e super bem informadas....Mesmo que não seja tão verdade, faz um bem danado!
Vou contar uma historinha.
Tive, muito, muito tempo atrás, um namorado, infelizmente comprometido com outra pessoa. Dessas coisas que não deveriam, mas acontecem.
Nada poderia rolar direito num contexto desse, já que esse relacionamento era baseado numa "mentira"...Mas mesmo após decidirmos tomar outro rumo, ainda assim ele me manteve presa com pequenos gestos: um elogio em público, um constante ar de sedução, sempre um olhar de admiração quando nos encontravámos acidentalmente, ou seja, ele sempre me fez sentir uma criatura única e especial. Verdade? Não, mentira, sincera, mas mentira ( pois havia uma outra pessoa " única" em sua vida).
Só sei que meu astral vivia nas nuvens e me sentia a modelo da capa da Vogue!
Muito boa essa sensação.
Descobri, nesse episódio, que nem sempre queremos toda a verdade. Que muitas vezes ela machuca, destrói, nos devolve um sentimento de incapacidade e limitação.
Quem suporta alguém ao seu lado sistematicamente apontando erros, defeitos ou fraquezas? Acho que ninguém. Ou se suporta vai acabar virando um ser sem alegria, sem vida, agoniado e caído.
Certo, deve haver um meio termo, mas esse é difícil de encontrar.
Pelas dúvidas, umas " mentirinhas " sinceras caem bem, ajudam a passar o dia, a driblar a depressão e encarar o futuro.
Quero mais é escutar uma delas de vez em sempre...
E você? Já " mentiu " hoje?