segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Olhar...



Podem me chamar de óbvia, será verdade.
Falar de uma obviedade dessas, cantada em prosa e verso e até na literatura de cordel: o olhar...os olhares e seu incrível poder transformador, nada tem de novidade.
Tempos atrás conversando com meu grande amigo e psiquiatra Dr Zé Quinta sobre o trabalho que andava desenvolvendo com crianças e jovens autistas, me disse ele que o " olhar" da mãe para seu recém nascido era de suma importância e que nesses casos, tristes e trágicos, de autismo, havia uma " quebra" nessa função. Era como se não conseguissem se enxergar, mães e bebês...
E somos mesmo alimentados desde sempre pelo olhar, primeiro da mãe e pai debruçados sobre nosso berço, com um jeito de sorrir com olhos que nos ensina a sorrir de volta. 
E depois quando acontecem todos os enormes, e ao mesmo tempo tão pequenos, progressos de um bebê,  sentar, engatinhar, balbuciar, ficar em pé, caminhar, correr é o olhar aprovador de quem dele cuida que o estimula, que faz com que se sinta mais e mais seguro para ir em frente. Esses são os olhares que formam, que moldam, que sugerem afeto e aprovação.
Mais tarde já nos tempos dos medos das bruxas, da noite, dos ogros, feras e os monstros do armário e que também moram embaixo da cama  é um olhar divertido de quem lê tais aventuras que detém o poder de afastar a certeza da existência de tantos terrores...São os olhares que fantasiam, que contam contos e mostram os limites entre o real e o imaginário, com amor e humor...
Depois? Depois o olhar sério diante do boletim escolar que, passe de mágica, pode abrir e se expandir quer seja para mostrar orgulho ou preocupação, mas dele, desse olhar, vem o norte, o farol, apontando onde e como ir, mudar, melhorar ou apenas, bom demais! comemorar!Agora se for olhar de reprovação, vem a dói, pois fere, humilha e dá medo, mas pode também mover e fazer mudar...
E os primeiros olhares roubados por cima dos livros, através dos ombros das amigas e que, com muita e inesquecível sorte, vai cruzar com o outro olhar que vem de volta com igual intensidade? E desse quase choque, falta o ar, as mãos transpiram, as pernas fraquejam e o coração, sempre a maior vítima dos olhares, dispara...E não há paixão nessa vida que não tenha nascida de um olhar...Não há.
Olhar de admiração, de desejo, de vontade de ficar junto e perto para sempre e de viver para sempre dentro desses olhos...
Mas tem momentos que um olhar, assim simples, simples, pode destruir... Em instantes ele pode se tornar distante, perdido, fixa um ponto tão além de nós, que parece vir de algum lugar que não conhecemos nem pertencemos...E traz apenas frio, desconforto e pior, nos remete a uma dor e solidão aterradoras: já não somos mais aquele que alimenta tal olhar... 
E o maravilhoso caso de amor e paixão vai, lenta e dolorosamente, morrendo a cada não olhar do outro...
Se houver sorte acaba por aí, caso contrário da indiferença o tal olhar pode mudar de tom e virar uma arma letal, cheia de raiva e rancor e mágoas..E fere mais que qualquer outra ferramente inventada pelo homem...E destrói, não só o amor e paixão, mas a autoestima, a serenidade, algumas certezas e um pouco de nós mesmos também morre junto...
Ando observando, a maioria das pessoas quase não olha para os velhos ou para os doentes ( por medo ou indiferença mesmo) que, com isso e muito mais rapidamente, vão deixando a vida, pois não se pode viver sem um olhar, quer seja ele de atenção, quer de afeto ou delicadeza. Olhares de desprezo matam...
E muitos, ou alguns, de nós às vezes nos acostumamos a não olhar nem sermos mais olhados... Sobrevivemos pois, ao contrário dos velhos e doentes, ainda temos couraça para suportar, mas não há, como acontece com eles, nem alegria nem prazer numa vida assim...
E passamos anos e anos numa espécie de " cegueira", abdicando desse sentido.
Até um dia, que, mágica das mágicas, sentimos de novo, como delicado sol de primavera, um olhar em nossa direção! E nesse tão aparentemente insignificante gesto, nesse sutil movimento de corpo e alma e coração, vem de volta a vida, o sonho, os devaneios de amor e paixão, a magnífica possibilidade de voltarmos a ser uma coisa meio boba, simples e tão preciosa: seres dignos de um olhar... E se, por acaso, o devolvemos a quem nos olha, todo o encanto então estará restaurado!
E assim, simples, sem palavras nem grandes explicações tudo estará dito, explicado e pactuado!
E em cada troca desses olhares, ou de afetos que falam apenas por esse meio, pois muitas vezes não possuem outro, a vida fluirá com tamanha beleza e intensidade que fará de cada um desses instantes algo tão único, inesquecível e belo que nos tornaremos quase deuses de nossa própria criação...
O que houver em volta irá parar, sem movimentos, sons, vozes, nada...O próprio tempo irá parar e ali, retido numa transversal cósmica, o amor, qual feixe de luz trocado entre dois seres, conseguirá tornar tudo possível, vivido e realizado. Apenas pela magia criada entre dois olhares. Simples assim.  

Ótima semana.