segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Separar dói...



Separar dói. Separações são sempre difíceis.
Não seria diferente quando aconteceu comigo.
Tinha vivido até então aos quase 28 anos, as separações do pior tipo que tem, aquelas causadas pela morte. Perdi meu avó criança ainda e aos 15 minha avó amada e meu tio Walter, dor essa que quase causou uma hecatombe emocional na família.
Agora, separação de marido, meu primeiro marido, pai dos meus meninos foi em 1983.
Casei por amor, por paixão, tenho certeza disso agora e pensei que era para sempre, sem saber que o "prá sempre, sempre acaba" (o poeta ainda não tinha me explicado isso...).
Foi duro, terrível, complicado, aliás, tão complicado que me mudei (com os 2 filhos, a cachorra, 10 periquitos australianos e um pássaro preto) do prédio que morava, o Dakota ou Ed. Casa Branca, escondida de meus pais!
Meu pai, tantas havia feito que comprou ( sem me consultar) um apartamento naquele mesmo edifício de tantas estórias, em outro bloco, só para nos ter por perto, num tempo que eu procurava uma casa para criar as crianças.
Já doente, com o Parkinson começando a devastá-lo cedi sem discutir muito. Até a separação depois de 10 anos de casamento.
Daí para frente não daria mais para ficar "sob as asas" dele e mamãe, nem sob os holofotes controladores do pessoal do Dakota que já dava sinais de comentar a vida da " filha do senador sem marido".
E nesse momento reativei o plano de morar numa casa, precisamente no Brooklin, amado Bronx, onde tinha uma parte da família.
Em questão de dias achamos (eu e prima Flávia) a casa, entrei com a papelada e enchi o caminhão de mudanças. Tudo escondido.
Ao descarregar minhas tralhas, desabei. Chorei muito, sentada na escada do sobrado da Rua Guararapes, sem saber por onde começar.
Sentia que ali nesse novo local, acabava de vez com o meu casamento, pois esse seria um projeto que teria que levar sozinha, por conta e riscos próprios.
Separar é difícil.
Poucos quarteirões moravam, para nossa sorte, minha e dos filhos, além da querida e única tia Concha e família, meus primos Ruy e Maria Elisa, com seus 4 filhos.
Na linda casa deles da Rua Indiana, fui acolhida, mimada, colocada no colo e pude me refazer emocionalmente.
Perceberam os dois, com sua sensibilidade e afeto, que me sentia muito perdida e angustiada. Nossos filhos estudavam no mesmo colégio, fazíamos compras juntas no Ceasa e  eu estava sempre na companhia deles em shows, viagens, festas e eventos.Éramos como uma família só.
Dentre tantos episódios legais que vivemos e pessoas queridas que pude conhecer na casa dos Jardim/Barboza (Ronaldo Parisi, Virgininha e filhas, Bias, Estebán, Enrique Martí e Cris, Dina que virou minha melhor amiga e Dr José Nhaka, Dr Abrão Rapoport e tantos outros), conto aqui um que é bem coisa do Ruy, brincalhão e gozador.
Nos muitos programas que surgiam íamos juntos ou acabávamos no encontrando.
Maria me telefonou certo dia e marcou um encontro a noite no bar Paulicéia Desvairada, acho que esse era o nome, na Rua Pinheiros. Ela estava em outro compromisso e iria mais tarde para lá.
Fomos, eu e Ruy, conversando e rindo como sempre.
No bar ele ia parando de mesa em mesa, era uma celebridade e acho que conhecia metade de São Paulo! Nos sentamos e vejo uma pessoa se aproximar.
Sorridentes, eles se abraçaram e reconheci um jornalista e humorista de rádio muito famoso naqueles dias.
Engraçadíssimo, super simpático, ele me olhou e Ruy imediatamente tascou: Fulano, essa é Nildinha, minha prima! Acontece que falou com um tom prá lá de sacana, dúbio, irônico e, lógico, o humorista não perdeu a chance:
Prima? prima???!!!!sei, sei, entendi.
Rimos muito, cada um por um motivo, Ruy por ter enganado o amigo, esse por achar que tinha descoberto uma possível safadeza de Ruy e eu pelas expressões divertidas dos dois homens. Logo Maria Elisa chegou e nesse momento, que foi o mais engraçado da noite, ela, efusiva e sem saber de nada abraçou o humorista e perguntou: já conheceu a minha priminha?rsrsrsrs!!!!! Inesquecíveis as expressões de espanto dele e de pura marotice do Ruy!
Essa brincadeira era bem a cara e espírito do meu primo e guardo esse episódio com muito carinho na memória.
A alegria, a inteligência privilegiada, talento musical, o humor fino e cortante e principalmente o carinho que sempre me dispensou tornam essa morte uma perda dolorosa.
Nos anos seguintes, depois de tantas coisas, ele e Maria se separaram, Ruy sofreu aquele atentado horrível no Rio, eu me separei de novo, casei pela terceira vez, perdi minha mãe e a vida acabou nos distanciando, ainda assim ele me ligava de vez em quando, passava em casa para um vinho, um violão e muitas risadas e pudemos, por poucas vezes hoje lamento, estarmos mais próximos.
Separar dói. Separar de amigo, primo e pessoa tão querida como Ruy dói mais ainda.


Para- Andre, Saulo, Juliana e Carolina, vocês são como filhos prá mim.
Para- Maria, pelos anos de tantas his-estórias e risadas. Fomos felizes.

sábado, 10 de agosto de 2013

Dois em um, coisas de mercúrio





Foi bom demais ter sido uma menina rica, morar ao lado da Rua Augusta e adolescer nos anos 60/70, tudo isso ao mesmo tempo!
A "riqueza", ou pelo menos como a vejo hoje, era em todos os níveis: financeiros ( morávamos num local nobre, com conforto, com mimos e cuidados) culturais ( tinha acesso livre e irrestrito aos mais de 2 mil títulos de da biblioteca de meu pai, todos os vinis de minha mãe e suas opiniões de cinéfila quase profissional, teatros, jornais, revistas, viagens,etc, etc), de formação (num colégio que privilegiava o conhecimento e o comportamento) e, melhor, ter tido a família que tive.
Esse foi, sem dúvida, meu maior bem: o meu meio, meu núcleo, inquieto, cheio de nuances e contradições, respirando 24 hs por dia política, o mundo das ideias e ao mesmo tempo sem a rabugice ou sisudez que em geral acompanha pessoas que gostam de pensar, de legislar, etc e bônus: havia um enorme apreço por festas e diversões com igual convicção.
Meu avô, meus pais, tios, quase todos amavam jogar, frequentavam cassinos e corridas de cavalos, festeiros, engraçados e ao mesmo tempo com rígido senso de grupo e família.
Pois então que, como já contei, em 1964 os militares, aproveitando-se de bobeira geral, acabaram no poder e os bons modos e intenções do começo logo foram substituídos pela violência, abuso e perseguição nas décadas seguintes.
Optei aqui, meu blog, por não falar das coisas horríveis, tristes que aconteceram nesses anos, chamados de chumbo. Tenho um texto sobre isso.
Todos, one way or another, tem conhecimento sobre dias como esses que deveriam nunca ter existido em país algum desse planeta.
Conto apenas que meu pai, líder em SP do que chamou ( obviamente por aqueles que não o conheceram) do MDB ou de oposição " consentida" à ditadura militar, enfrentou momentos terríveis ( mesmo sendo um dos " consentidos"...) e em alguns deles pode contar única e exclusivamente comigo ( fora o pessoal do partido).
 Soube, vi e acolhi pessoas perseguidas, tinha telefones para onde ligar caso ele " sumisse" e dividi medos, incertezas e muita tristeza tentando, como ele, amenizar as dores e feridas infligidas aos que não concordavam com os que detinham o poder.
Minha salvação? Hoje, depois de tantos anos e os cursos de astrologia e ocultismo com Prof. Hélio Amorim, foi graças ao meu belo " mercúrio"!! Ou Mercúrio, para mim sempre em letra maiúscula!
O deus da dualidade, mensageiro dos deuses, o dom da fala, da estranha capacidade de não demonstrar o que pensa ou sente, de mentir...
Meu signo, Virgem- Mercúrio...Meu ascendente Gêmeos-Mercúrio...
Duas vezes abençoada por tal deus...E a isso devo tantas coisas...
E vivia, num dos meus lados, os hippies e as suaves fumaças de marijuana, o pacifismo, a delicadeza, o amor sem ser personalizado, a luz e a música, o rock...e vivia, gêmeo-irmão, também as horas escuras, os medos,as torturas, as conversas com meu pai, seus medos, as pessoas machucadas que surgiam e sumiam no nosso lindo apartamento, o Dakota, para se protegerem e desvanecerem no ar....
Só assim, de maneira dupla, dúbia, fragmentada, pude enfrentar esses anos...anos em que vi meu pai sofrer demais, chorar, se desesperar e perder a saúde...
Estranho, a menina " hippie", descalça, cheirando a patchouli, com saias coloridas e óculos amarelos era a confidente desse homem tão sério e circunspecto e de suas angústias e enfrentamentos diante de uma força tão poderosa e destrutiva.
E assim sobrevivi. e sobrevivemos. E assim esses anos ficaram para trás.
E um dia me apaixonei, um lindo músico,"guitarman" de longos cabelos ruivos, doce, meigo...e saí de lá. Mas isso é uma outra história.
Essa, a de hoje, dedico, pela proximidade de datas, a meu pai.
Íntegro, honesto, humilde e belo, como devem ser todos os guerreiros e heróis. Meu herói.


Para meu Pai, nesse dia dos Pais de 2013.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Barriga prá dentro, peito pra fora! (ou milicos e sutiãs!)






Retomo o assunto sobre os tempos em que morei no Edifício Casa Branca, Jardins-SP que chamo, carinhosamente, de Dakota, em homenagem às estranhezas e bizarrices que tornaram ambos os imóveis meio parecidos.
Mas nem tudo é tragédia e por um bônus do destino, que me percebeu tão infeliz em morar naquela gaiola dourada, pude viver e participar dos mais ricos e conturbados anos do país (e sua ditadura militar) tendo como cenário, a 5 quarteirões de distancia, a mais famosa de todas as ruas de São Paulo: a Rua Augusta!
Imortalizada em canções, estudos, teses e até hoje viva nas lembranças de quem estava lá e viu e viveu e sobreviveu para contar, essa rua representou um território livre, de conquistas, de desafios, de jovens em estado de ebulição com as ideias vindas de Londres e dos Estados Unidos e sua triste guerra do Vietnã, dos hippies, do flower power, do rock e festivais, dos ativistas e pacifistas e de uma meninada que iria mudar o rumo das coisas!
Ali usei pela primeira vez uma minissaia curtíssima! ( tão curta que não podia me sentar..rs), pois meu pai proibia ( trocava no elevador por outra saia, mais comprida, antes de chegar em casa), ali bebericava uma cuba libre disfarçada de Coca cola, ali nós, meninas e alunas do colégio feminino fino e elitista mostrávamos as pernocas ( enrolando a saia azul marinho do uniforme diante do espelho da loja de molduras que existia quase na esquina da Al. Lorena), ali admirava os motoqueiros em suas jaquetas de couro e suas Harleys roncando, ali fumávamos, ali, ali, ali...
Na Augusta onde tudo acontecia, de músicas ( na Augusta Discos, quase esquina com a Al. Tiete ou na Hi- Fi um pouco para cima lado oposto, com seus lançamentos maravilhosos de rock) às atitudes, mesmo com a vivência, às vezes tão próxima, como no meu caso, da ditadura militar, eu era feliz...
Os milicos, também chamados de "gorilas" ( pobres animais, injustiça isso), tomaram o país numa bobeira do pessoal do poder em 1964 e com mandos e desmandos, permaneceram por décadas.
No  começo meio ressabiados, eles foram ficando mais e mais truculentos e acabaram tomando gosto pelo poder e seus desdobramentos ( infelizmente, parece que fizeram escola pois alguns de seus métodos para determinados " acertos" continuam em uso). Esse pessoal era o contraponto exato ( ouso dizer, necessário) do mundo que queria e iria mudar!
Mas não é disso que quero falar, mas sim do "clima" instalado, com perseguições, proibições das mais variadas e uma sensação de medo uma vez que as liberdades individuais estavam suspensas.
Ainda assim a turma da Augusta seguia em frente e as contravenções sempre são interessantes, justamente por serem contravenções e o pessoal se reunia, ouvia rock, fumava maconha, corria da polícia, os rapazes usavam cabelos compridos e as garotas descobriam o mundo apesar das ameaças, vindas das famílias, de virarem " meninas perdidas"...
Em 1968 aconteceu o famoso episódio da " queima de sutiãs", em Atlantic City, EUA como protesto contra um concurso de Miss América que exigiu maior dignidade e menos opressão contra as mulheres. O sutiã tornou-se, então, o símbolo de opressão e "coisificação" contra mulheres.
Começava ali um movimento que se seguiu a outros tantos e marcou o nascimento de uma " nova mulher" que buscava sua liberdade e que aprendia a lutar por direitos iguais em todos os níveis.
Minha amiga Cristina Magro e eu, habilidosas nas agulhas de crochê, fizemos com linhas e lãs coloridas " sutiãs" ou "tops" cheios de charme e cores que usávamos "por cima" das camisetas Hering que comprávamos na " Meia Pataca"! Era, bem "hippie" e pacífica a nossa maneira de protestar e fazer coro contra os tais instrumentos de opressão, os sutiãs ( que nunca usávamos mesmo..rs).
Muitos anos se passaram desde 1968 e enormes mudanças vieram...
Os anos de protesto foram substituídos por um grande culto ao físico, a aparência, a tal cansativa geração academia... E sinto uma enorme melancolia...
Depois de tantas discussões, enfrentamentos, quebras de paradigmas importantes como contracepção, virgindade, igualdade no mercado de trabalho, sexo sem casamento, aborto, etc, etc, vejo a volta, pelo menos no quesito " sutiã", da " coisificação" da mulher.
Silicones de todos os tamanhos e até mesmo industriais em implantes gigantescos tornaram-se sonhos de consumo de uma parte da mulherada que corre atrás dos seios enormes, os mesmos que na década de 60/70 seriam vistos, com humor, apenas nos filmes de Fellini!
Sutiãs com armação de metal, bojos falsos, " wonderbras", tudo falso para dar a ilusão de fartura são " hits" das revistas, editoriais, moda e consumo.
Acho triste.
Não gosto de sutiãs, nunca gostei. Não tive, nunca, atributos suficientes para isso, mas não os usei nem quando grávida ( e os seios cheios), portanto... Incomodam, apertam e oprimem, independente de qualquer conotação política..rs
Me sinto, entretanto, obrigada pelo olhar inquisitório das novas gerações a esconder o pouco que tenho. Essa moçada me diz que os seios livres não são belos, que não ficam bem e que ficam vulgares sem sutiãs...
Engraçado,é como se escutasse, mais uma vez, o velho discurso de minha mãe e tias nos anos rebeldes!

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Dakota e Rua Augusta




Meu pai comprou o apartamento ainda na planta. Sentia ele que os tempos da casa da Rebouças estavam contados, minha mãe precisava de um pouco de sossego e privacidade para manter seu "sistema menos nervoso"...
Mas nada acontece, pelo menos com a minha família, como está planejado e mesmo com o apartamento pronto demoramos algum tempo, acho que mais de 1 ano, para morar lá.
Quem inaugurou o imóvel novinho em folha foram minha tia Nair e meu tio Eduardo, ela irmã de meu pai.
 Não me perguntem porque, nem como isso aconteceu, desisti faz tempo de usar a lógica convencional nos assuntos lá de casa. Sei dizer que foi minha tia quem deu o "acabamento" ao imóvel e mandou fazer os armários embutidos, gabinetes e cozinha. Resultado, o quarto que depois foi meu tinha um grande armário com 6 portas que se mostrou quase inútil: as divisões foram pensadas para rapazes ( meus primos): as gavetas foram desenhadas para camisas sociais, bem rasinhas, as portas tinham gravateiros, calceiros ocupavam metade do espaço, o espelho era de meio corpo e não havia um espaço sequer para vestidos mais longos, apenas para camisas e blazers. Um pavor, portanto.
Depois da mudança minha mãe bem que tentou, tadinha, dar um ar mais " feminino" ao meu quarto e com a ajuda de Dona Ivone Cury Barboza ( mãe do meu primo Ruy Fernando Barboza) escolheram carpetes bem fofos e mandaram  forrar o comodo com um lindo papel parede ( feito por um senhor espanhol, um artista, à mão) crú enfeitado com ramalhetes de flores cor-de-rosa matizado bem pálido e folhas douradas. As cortinas de shantung de algodão tinham forros de de voil de seda branco que deixavam o quarto com ar de cenário de filme quando o sol do final do dia era filtrado através delas...
Duas lindas camas de madeira escura completavam o quarto, pois nesses dias minha querida Elisete, irmã de mamãe, morava com a gente e preenchia minha solidão de filha única. Era minha irmãzinha querida. 
Mesmo assim não consegui, como disse, gostar desse apartamento. Algo me oprimia, me limitava e mesmo percebendo o olhar admirado dos amigos que iam me visitar ao entrarem nas salas decoradas com beleza e bom gosto por minha mãe nunca entendi bem o motivo.
De alguma maneira  ao entrar naquele lugar eu soube, no mesmo instante, que minha infância, ou a melhor parte dela, ficara para trás, perdida ou guardada ( não sei bem) para sempre nos lindos jardins cheios de árvores e bichos da avenida Rebouças. Era agora uma quase adolescente e não entendia bem o que isso significava.
Ali  no Dakota comecei a estudar numa nova escola ( Colégio Meira/curso ginasial, onde terminei depois o Curso Clássico, uma abstração cultural que foi retirada, pena, do currículo do ensino médio) e aí encontrei minhas amigas queridas que me acompanham até hoje! E juntas descobrimos a Rua Augusta, em plena década de 60/70!! Pode alegria maior? Era estar na hora certa no lugar certo!
 Hi-Fi, Augusta Discos, Confeitaria Yara ( para os momentos de boas meninas de família), Frevinho e a Galeria Ouro Fino ( para os momentos de não tão boas meninas assim), depois a Freedom ou  a India House e suas roupas indianas, a Drugstore ( que era loja super, hiper descolada), a boutique Paraphernália na Alameda Franca, a Aliança Francesa da Alameda Tiete ( eu e Lia, minha amiga, fomos expulsas de lá por baderna), a Ao Gosto Augusta e seus objetos de design e livros de arte, os motoqueiros e suas jaquetas de couro e bandanas, gente bonita, sorvetes e as coca-colas em copos gigantescos enfeitados com um botão de rosa e um talo de salsão, lembram disso, meninas?
Dias dos Beatles, dos Stones, minissaia, Londres, Hair, hippies, Paris, Saint Laurent e seus "terninhos", Courréges, Paco Rabanne e seu perfume "Calandre" ( os meninos usavam o " Lancaster" argentino) e do começo das contravenções que pretendo contar com mais detalhes numa outra publicação.
 Fico pensando, nesses anos o epicentro do mundo era a Europa, ou melhor, Londres principalmente e todas nós sonhávamos em passear em Carnaby Street e namorar com Paul McCartney..
Foram anos ricos, de aventuras, descobertas, de beleza, de arte, de Masp quase todos os dias, de colégio, dos uniformes azul marinho, laços de veludo enfeitando os rabos de cavalo, de muitas risadas, bailinhos de garagem ao som de Anna " dos Beatles" e Pata, Pata de "Miriam Makeba", de Zefirelli e seu lindo Romeu e Julieta e dos namoros, inocentes e engraçados...
Mal sabia que eu, a menina rica morando numa linda torre de marfim, vivia os mais belos e despreocupados anos de sua vida e que tudo, muito em breve, sofreria uma mudança radical!
Os ocultistas e estudiosos de magia costumam falar em ciclos de  "7 anos". Pois bem, foram exatos 7 anos os vividos assim, no apartamento da alameda Casa Branca. Ou pelo menos os 7 anos em que pude ser, ter e fazer coisas belas e inesquecíveis. Os anos seguintes já não combinavam com as lindas flores cor-de-rosa do papel de parede de meu quarto nem com as suaves baladas dos Beatles, mais isso é uma outra história. Depois conto.

para Lia, Cris, Nancy, Neuza, Silvia, Anete, amigas desses e de todos os outros tempos!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dakota/ Jardins e o boxeur..



Só poderia ser ali, naquele prédio, o lugar para morarmos...
Saímos do casarão da avenida Rebouças em 1965 e mesmo com a conversa toda de morar " em apartamento" moderno, não me conformei, para dizer bem a verdade.
Criança naqueles tempos não apitava e me vi, portanto, numa " gaiola dourada" nas alturas, um décimo-oitavo andar que tinha vista para o Parque Trianon, parte da Avenida Paulista e o MASP. 
Endereço nobre. E chato. E eu odiava.
Sentia falta das árvores (vê-las pela janela não contava), do chão (sob os pés) molhado pela chuva ou quente do sol ( num apartamento só com muita imaginação) e principalmente do espaço aberto e dos bichos.
Mas, destino é destino e a saúde mental de minha mãe que não aguentava mais morar no casarão/comitê político/ casa da mãe joana nos trouxe a esse apartamento que morei por muitos e muitos anos mas nunca, estranhamente, senti como minha casa/lar.
E dessas coisas estranhas e engraçadas que acontecem com a minha família, esse prédio, projeto moderno e afetado de Arão Sahm, com jardins em curva e colunas enfeitadas de pastilhas é reduto de excêntricos.
O Copan tem suas histórias mas esse Ed. Casa Branca não fica atrás. 
Os funcionários  falavam de almas penadas, sombras se deslocando, ruídos durante a noite e fatos esquisitos nas enormes e escuras garagens. Sempre havia alguma coisa, nova e sem lógica, acontecendo por lá, um exemplo: o seu zelador de muitos anos, caiu morto no jardim, assim, sem mais nem menos nem doença anterior e ali ficou, por horas, até a chegada da polícia, para horror e desespero de todos!
Mas isso foi bem depois. 
Quando nos mudamos para lá e apesar das poucas crianças fiz algumas amizades e logo descobrimos, por exemplo, que no último andar do bloco 1 morava um "príncipe"!
Imaginem o assanhamento que ficamos, príncipes sempre foram assuntos relevantes no universo das meninas! E termos um, logo ali, como vizinho e ao alcance das mãos era muita sorte!
Passamos dias e dias " vigiando" a movimentação da portaria e elevadores e nada. 
Crianças que éramos não sabíamos que existiam príncipes e príncipes e que nem todos eram belos, moços ou herdeiros de reinos famosos. 
O nosso revelou-se, triste dia, um senhor baixo e de formato meio cilíndrico, antipático e que praticamente nos expulsou do seu hall numa língua estrangeira. Esse velhinho, quem nos contou foi um outro que fazia as vezes de secretário ou procurador, era parente dessas casas reais italianas, minúsculas e sem importância, daquelas que nunca lembraremos o nome e que, portanto, jamais seria assunto para conto de fadas. O apartamento, parte de seu pequeno patrimônio permanecia fechado por meses e meses seguidos e não seria, tínhamos certeza, palco de nenhuma festa maravilhosa. Foi uma decepção!
A outra pessoa famosa que morava por lá era Seu Martins, assim todos chamavam o velhinho simpático, amoroso e sempre atencioso que distribuía seu sorriso largo e amigo para as crianças, funcionários e quem mais encontrasse. Ele, não tão famoso, mas pai dos famosos pianistas José Eduardo e João Carlos Martins e do Prof. Ives Gandra Martins que sempre circulavam pelo prédio em visita aos pais. Foi em seu apartamento, lindo e muito bem decorado que Daniel, meu filho, viu pela primeira vez e se apaixonou por um maravilhoso piano de cauda.
Tínhamos como vizinhos muitos anônimos mas alguns com excentricidades: Dona Vali, por exemplo, uma senhorinha que aprendeu a língua japonesa praticamente sozinha e acabou virando professora de português para executivos japoneses e suas famílias que iam e vinham de seu apartamento e nos brindavam com mesuras e salamaleques caso nos encontrassem nos elevadores! 
Havia também um neurótico de guerra apelidado, carinhosamente, de "Frankenstein" pelas crianças cujo divertimento era acertar tiros de espingarda de chumbo nos meninos que jogavam futebol no pátio ( ao lado de sua janela). Os gritos e risos da meninada jogando despertavam as mais atrozes lembranças em sua mente perturbada!
 Foram nossos vizinhos alguns artistas plásticos sem fama e de teatro bem conhecidos como Marco Nanini ( que, acho, mora até hoje por lá), pessoas com histórias obscuras ( joalheiros que viviam quase isolados do mundo, diziam que eram judeus que haviam escapado das garras dos nazistas), médicos famosos em suas especialidades e muitos estrangeiros.
Meu pai, senador nessa época, de certa forma fazia parte das celebridades do prédio, mas perdia de longe, em popularidade para Éder Jofre, famoso atleta, pugilista que havia sido campeão mundial de boxe em 1960 na categoria peso galo e que morava 4 andares abaixo de nós.
Casado de pouco com "Cidinha", ambos falantes e muito agradáveis logo fizeram amizade com meus pais e minha mãe  vez ou outra os recebia para um café e vice-versa ( e ambas socorriam-se quando precisavam de indicações de empregadas). Ali, naquele prédio nasceram suas crianças e por muitos anos mesmo quando já não morava mais lá e ia visitar meus pais, encontrava com eles nos elevadores e  conversávamos durante o trajeto. 
Os Jofre saíram de lá anos antes de minha mãe, última de nós a deixar o "Dakota".
Li essa semana nos jornais que Éder Jofre, aos 77 anos, está com Alzheimer e teve o quadro mental comprometido após a morte da esposa meses atrás.
Fiquei triste, bem triste, primeiro com a notícia da morte dela, pessoa bacana, risonha, apaixonada pelo marido e filhos. E também por ele, sempre tão ativo, tão exuberante e cheio de vida, falando alto com o seu sotaque italianado e que morria de rir com minha mãe, outra barulhenta. Quando se encontravam na portaria do "Dakota" era sempre uma festa.
Mesmo não gostando do prédio não posso negar que tenho muitas histórias por lá.
Gente de todos os tipos, festas, brigas com vizinhos, discussões em reuniões de condomínio e, principalmente, boas e lindas lembranças dos meus dias de menina e adolescente ao lado de meus pais e de um pessoal tão interessante que fazia desse um edifício bem engraçado.

PS- Chamo o Edifício Casa Branca de  " Dakota" em homenagem ao célebre prédio de Nova York que dentre outras coisas, foi cenário do filme de Polanski, "O bebê de Rosemary" e é também até hoje o endereço de Yoko Ono Lennon.

domingo, 21 de julho de 2013

De volta...





Pois então, foi assim:
Esse blog criei anos atrás.
Chamei de "Lost in Space, sometimes".
O nome, uma homenagem ao seriado de TV "Perdidos no Espaço" (Lost in Space, da 20th Century Fox), inesquecível para os que como eu o acompanharam na década de 60, acabou gerando apelidos entre nós: meu amigo Newton Nazaro me chama de "Madame" , relembrando a personagem de June Lockhart "Maureen Robinson", matriarca da expedição que se perdeu no espaço e eu, em troca chamo o amigo de "Major", personagem de Mark Goddard, "Major  Don West", eterno perseguidor do maravilhoso ícone do mau-caratismo Dr Zachary Smith (criado pelo saudoso Jonathan Harris).
Não, não tem, portanto, nenhuma conotação com existencialismo ou outra corrente do pensamento/filosófico/psicanalítico, o "perdido/lost" do título do meu blog, acho que já passei dessa fase de me sentir assim e penso tê-la superado numa boa.
Verdade que andei meio muda, não sem assunto, mas com preguiça monumental de escrever e somente depois desses últimos dias, passados em Curitiba/Paraná, me animei.
O tema "perdido" só que agora no ao invés de  "espaço" é no " tempo" foi a sensação que me chegou desses dias.
Dado, Curitiba é o lar da minha velha sogra, matriarca empedernida dona de sangue árabe, sírio-libanesa, senhora, portanto, aferrada às antigas tradições de "mandonices" sem fim e especialista em "pitacos" sobre a vida dos que a rodeiam. Genético isso, não tem como discordar não. Garanto.
O fato é que nesses dias que acompanhei o marido (meu) nesse périplo mais de consciência que afeto, embora no meu caso seja afeto, pois consciência mesmo não sei se ando tendo, calhou de eu acompanhá-la ao médico para exames.
E percebi, perplexa, a não menos perplexidade e tristeza dela, que se transformou em poucos minutos numa grande depressão, diante do fato de o médico não ter encontrado nada de realmente "grave" nas imagens dos exames ali feitos. Diagnóstico: idade, disse ele, em outras e mais delicadas palavras.
A velha sogra não gostou, não aceitou e não engoliu.
Como não aceitou e nem nunca aceitará ter 83 anos, disse e repetiu para a nora, eu, com cara de paisagem, inútil, claro. Não aceitou nem aceitará as limitações,  a bengala, uma acompanhante. 
Prefere se "auto-aprisionar" (palavras dela) dentro de casa a ser vista tendo alguém para segurar em seu braço. Como se fosse crime ou vergonhoso. Tantos nãos, nãos, nãos...
Uma velhice feita de nãos... E nos últimos dois dias, dos quatro que passamos com ela foi assim. Cara fechada, sem conversa, sem perguntas, sem trocar, sem olhar de verdade. 
Falei sozinha, das minhas limitações enquanto cultivadora de "osteoporose" que não me permite mais salto alto, grandes caminhadas em terrenos acidentados, subir escadas, uma enorme falta de força nas mãos que não me deixa abrir tampas de vidros e garrafas pet, dores constantes. Não me ouviu,  nem me olhou mais. Acho que não me levou a sério pois conto sobre essas mazelas com certo humor e sem pêso. Sem contar que são mazelas de outra pessoa e não dela...
Pensei e acho que, olhando para trás, raramente a vi sorrir ou rir, de verdade, nesses 15 anos que convivemos.
Nem mesmo em nenhuma de nossas chegadas lá para ficarmos com ela mereceu um sorriso.
E só agora percebi.
Não sei se um dia ficarei assim, tão dura e amarga, por hora não estou perdida no tempo (rs), apenas no espaço e isso tem suas vantagens: posso ir e vir nas minhas lembranças quando tiver vontade e escolher com quais ficar. 
Tenho escolhido ficar com as boas...

Para Roberto Elias Salomão, Andrea Caldas, Gil e Ruy, meu primo.