segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dakota/ Jardins e o boxeur..



Só poderia ser ali, naquele prédio, o lugar para morarmos...
Saímos do casarão da avenida Rebouças em 1965 e mesmo com a conversa toda de morar " em apartamento" moderno, não me conformei, para dizer bem a verdade.
Criança naqueles tempos não apitava e me vi, portanto, numa " gaiola dourada" nas alturas, um décimo-oitavo andar que tinha vista para o Parque Trianon, parte da Avenida Paulista e o MASP. 
Endereço nobre. E chato. E eu odiava.
Sentia falta das árvores (vê-las pela janela não contava), do chão (sob os pés) molhado pela chuva ou quente do sol ( num apartamento só com muita imaginação) e principalmente do espaço aberto e dos bichos.
Mas, destino é destino e a saúde mental de minha mãe que não aguentava mais morar no casarão/comitê político/ casa da mãe joana nos trouxe a esse apartamento que morei por muitos e muitos anos mas nunca, estranhamente, senti como minha casa/lar.
E dessas coisas estranhas e engraçadas que acontecem com a minha família, esse prédio, projeto moderno e afetado de Arão Sahm, com jardins em curva e colunas enfeitadas de pastilhas é reduto de excêntricos.
O Copan tem suas histórias mas esse Ed. Casa Branca não fica atrás. 
Os funcionários  falavam de almas penadas, sombras se deslocando, ruídos durante a noite e fatos esquisitos nas enormes e escuras garagens. Sempre havia alguma coisa, nova e sem lógica, acontecendo por lá, um exemplo: o seu zelador de muitos anos, caiu morto no jardim, assim, sem mais nem menos nem doença anterior e ali ficou, por horas, até a chegada da polícia, para horror e desespero de todos!
Mas isso foi bem depois. 
Quando nos mudamos para lá e apesar das poucas crianças fiz algumas amizades e logo descobrimos, por exemplo, que no último andar do bloco 1 morava um "príncipe"!
Imaginem o assanhamento que ficamos, príncipes sempre foram assuntos relevantes no universo das meninas! E termos um, logo ali, como vizinho e ao alcance das mãos era muita sorte!
Passamos dias e dias " vigiando" a movimentação da portaria e elevadores e nada. 
Crianças que éramos não sabíamos que existiam príncipes e príncipes e que nem todos eram belos, moços ou herdeiros de reinos famosos. 
O nosso revelou-se, triste dia, um senhor baixo e de formato meio cilíndrico, antipático e que praticamente nos expulsou do seu hall numa língua estrangeira. Esse velhinho, quem nos contou foi um outro que fazia as vezes de secretário ou procurador, era parente dessas casas reais italianas, minúsculas e sem importância, daquelas que nunca lembraremos o nome e que, portanto, jamais seria assunto para conto de fadas. O apartamento, parte de seu pequeno patrimônio permanecia fechado por meses e meses seguidos e não seria, tínhamos certeza, palco de nenhuma festa maravilhosa. Foi uma decepção!
A outra pessoa famosa que morava por lá era Seu Martins, assim todos chamavam o velhinho simpático, amoroso e sempre atencioso que distribuía seu sorriso largo e amigo para as crianças, funcionários e quem mais encontrasse. Ele, não tão famoso, mas pai dos famosos pianistas José Eduardo e João Carlos Martins e do Prof. Ives Gandra Martins que sempre circulavam pelo prédio em visita aos pais. Foi em seu apartamento, lindo e muito bem decorado que Daniel, meu filho, viu pela primeira vez e se apaixonou por um maravilhoso piano de cauda.
Tínhamos como vizinhos muitos anônimos mas alguns com excentricidades: Dona Vali, por exemplo, uma senhorinha que aprendeu a língua japonesa praticamente sozinha e acabou virando professora de português para executivos japoneses e suas famílias que iam e vinham de seu apartamento e nos brindavam com mesuras e salamaleques caso nos encontrassem nos elevadores! 
Havia também um neurótico de guerra apelidado, carinhosamente, de "Frankenstein" pelas crianças cujo divertimento era acertar tiros de espingarda de chumbo nos meninos que jogavam futebol no pátio ( ao lado de sua janela). Os gritos e risos da meninada jogando despertavam as mais atrozes lembranças em sua mente perturbada!
 Foram nossos vizinhos alguns artistas plásticos sem fama e de teatro bem conhecidos como Marco Nanini ( que, acho, mora até hoje por lá), pessoas com histórias obscuras ( joalheiros que viviam quase isolados do mundo, diziam que eram judeus que haviam escapado das garras dos nazistas), médicos famosos em suas especialidades e muitos estrangeiros.
Meu pai, senador nessa época, de certa forma fazia parte das celebridades do prédio, mas perdia de longe, em popularidade para Éder Jofre, famoso atleta, pugilista que havia sido campeão mundial de boxe em 1960 na categoria peso galo e que morava 4 andares abaixo de nós.
Casado de pouco com "Cidinha", ambos falantes e muito agradáveis logo fizeram amizade com meus pais e minha mãe  vez ou outra os recebia para um café e vice-versa ( e ambas socorriam-se quando precisavam de indicações de empregadas). Ali, naquele prédio nasceram suas crianças e por muitos anos mesmo quando já não morava mais lá e ia visitar meus pais, encontrava com eles nos elevadores e  conversávamos durante o trajeto. 
Os Jofre saíram de lá anos antes de minha mãe, última de nós a deixar o "Dakota".
Li essa semana nos jornais que Éder Jofre, aos 77 anos, está com Alzheimer e teve o quadro mental comprometido após a morte da esposa meses atrás.
Fiquei triste, bem triste, primeiro com a notícia da morte dela, pessoa bacana, risonha, apaixonada pelo marido e filhos. E também por ele, sempre tão ativo, tão exuberante e cheio de vida, falando alto com o seu sotaque italianado e que morria de rir com minha mãe, outra barulhenta. Quando se encontravam na portaria do "Dakota" era sempre uma festa.
Mesmo não gostando do prédio não posso negar que tenho muitas histórias por lá.
Gente de todos os tipos, festas, brigas com vizinhos, discussões em reuniões de condomínio e, principalmente, boas e lindas lembranças dos meus dias de menina e adolescente ao lado de meus pais e de um pessoal tão interessante que fazia desse um edifício bem engraçado.

PS- Chamo o Edifício Casa Branca de  " Dakota" em homenagem ao célebre prédio de Nova York que dentre outras coisas, foi cenário do filme de Polanski, "O bebê de Rosemary" e é também até hoje o endereço de Yoko Ono Lennon.

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