domingo, 18 de abril de 2010

Viver e morrer.






O assunto não é agradável dia nenhum, muito menos num domingo ensolarado. Mas está aí, aliás passa pela cabeça de todo mundo de vez em quando ( ou de vez em sempre...).
A morte.
Andei lendo sobre as alterações no Código de Ética Médica que agora veta os tratamentos inúteis e dolorosos para doentes sem esperança. Reproduzo "Em vez de ações “inúteis ou obstinadas”, como diz o texto, é aconselhada a adoção de cuidados paliativos, que reduzem o sofrimento do doente".

Esse tema já deu muita discussão e ainda vai dar.
Convenhamos, é realmente um crueldade certos procedimentos invasivos e terrivelmente dolorosos, quando o corpo já não tem como reagir a qualquer coisa.
E sempre achei que o paciente tem o direito de decidir o encaminhamento de tudo que será feito com ele.
Infelizmente passei por alguns momentos em que essa discussão esteve presente.Com meus pais.
Papai padeceu com Mal de Parkinson por muitos anos, doença cruel, progressiva, sem cura e que ao mesmo tempo não mata. Não ela em si, mas vai minando todos os outros sistemas por conta das limitações que vai impondo ao doente. Papai, em seus momentos de lucidez, pedia que não o levasse ao hospital durante as crises respiratórios que tinha, pois a experiência de dias numa UTI fora pavorosa. Solidão, luz em excesso todo o tempo, fios e aparelhos por todos os lados, enfim, o Inferno de Dante.
Numa manhã de uma segunda-feira, após o final de semana todo em crise, assistido em casa e cercado pelo carinho de todos nós e seu enfermeiro, papai partiu. Fizemos a sua vontade.
Com minha mãe a coisa foi mais complicada. Ela, sofrendo horrores com um câncer de pâncreas, teve que ser levada ao hospital.Público. Lá, ao ser confirmada a gravidade do seu estado, os maravilhosos médicos, no caso, um jovem residente, nos chamou e com muita delicadeza, escolhendo bem as palavras, sugeriu que somente amenizassemos o sofrimento e dores terríveis, sem nenhum outro procedimento além desse. Disse ele que minha mãe, uma senhora de 78 anos, merecia todo conforto e dignidade. Também nos alertou que a morfina, fenergan e outros medicamentos que seriam ministrados via soro, acabariam por deprimir o corpo já cansado e sem resposta, levando-a a partir serenamente.
Me despedi dela minutos antes do começo do soro e fiquei ao seu lado até que ela adormeceu para sempre.
Viver é uma escolha.
Como enxergamos nossa vida, as escolhas que fazemos, tudo, de alimentação à amores. Podemos optar por viver intensamente, amando, desamando, ganhando, perdendo ou passar em brancas nuvens, mas a escolha é nossa.
Temos que ter o direito de escolher como morrer. Com luta, com tentativas de todos os tipos, com tratamentos experimentais, dolorosos, ou passar os últimos momentos em paz, com nossos amigos, livros, músicas e sem dor.
Não é um assunto fácil, nem bacana, mas não podemos escapar disso.
Já avisei o povo aqui: nada de terror, nada de desgastes inúteis que acabam torturando todo mundo, o doente e os que o cercam. Não quero sentir dor, só isso.
Quero a vida e a morte assim.

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