segunda-feira, 19 de abril de 2010

Encanto...



Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.( Guimarães Rosa)

Para Marta seria bom que fosse assim. Acordar de algum encanto.
O problema era que não conseguia...
Complicadores: um temperamento dado à fantasia, à imaginação e um tédio enorme pelo que chamavam de " realidade".
De menina, tinha amigos imaginários, aos quais dedicava quase todo o tempo que lhe permitiam sumir das vistas dos adultos. Adultos... Para a menina eram seres limitados, sem graça ou capazes de despertar interesse.
Cresceu assim, acreditando em fadas e encontros do destino. Cada pequena coisa era sinal interpretado de mudanças.
Via o tempo, os ventos, as chuvas e tempestades como linguagem. Amava o mar e suas ressacas e o escuro de antes do amanhecer. Amava Mozart, Chopin e poetas parnasianos.
Teve vida rica em amores, pois encontrou muitos príncipes disfarçados, muitos cavaleiros arturianos pelo caminho. Em todos fora feliz, pelo menos até que o cruel cotidiano não invadisse seu mundo diáfano e dourado.
Marta sonhava de olhos abertos. Escrevia versos, pintava tecidos e plantava girassóis.
Suas incursões pelo mundo real, sim haviam, eram as de alguém de passagem, de alguém que estava sempre de malas prontas, indo para algum lugar. Essa sensação fazia com que amasse aeroportos e aviões, símbolos do seu constante estado de espírito.
Teve casa, teve filhos, tinha história. Tinha, entretanto, outra vida que não dividia, rica e instigante, mas por medo, tinha medo sim, de passar por doida, mantinha em segredo.
Marta se equilibrava em dois mundos.
Os anos passavam e ainda assim ela parecia viver num paradoxo de tempo e razão.
Nos últimos anos que se soube dela gostou de alguém uma vez mais.
Não um príncipe dessa vez, mas uma pessoa com todos os elementos para faze-la amar de novo: alguém impossível, fora do alcance de suas mãos e coração. E para piorar a estória, era correspondida. Foi um amor de livros,de romance de cavalaria! Um tempo feito de olhares e bilhetes escondidos, de palavras sussurradas e de segredo.
Marta passou dias enchendo páginas e páginas de muitos cadernos, que nunca mostrou a ninguém, tratando desse afeto feito de ilusão e fantasia.
Mas foi só. O amado, menos afeito a tais divagações, logo cansou de tantas impossibilidades e retornou ao mundo normal e previsível que vivera até então.
Houve dor e sofrimento, mas não desespero, sempre fora assim, ela concluiu serenamente.
Um dia Marta sumiu. Saiu de casa, bateu a porta atrás de si e seguiu pela rua arborizada carregando uma pequena valise.
Nunca foi encontrada, nem poderia, pois Marta sabia que só são encontradas as pessoas que querem ser encontradas, o que não era o seu caso.
Dizem que foi morar à beira-mar, numa praia distante, numa casinha arranjada com pescadores.
Contam que passa os dias escrevendo e olhando o mar á espera das tempestades.
Dizem que se apaixonou pelo próprio Netuno e que esse, também apaixonado vem, nas noites escuras, visitá-la...

Nenhum comentário:

Postar um comentário