segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Toninho

Nunca tive irmãos.
Fui filha única até hoje sem entender bem porquê. Dizia minha mãe que como meu pai era muito velho ( quando nasci ele tinha 51 anos), havia o receio de que ela ( com 26 anos) ficasse viúva com muito filhos para criar..
Outra conversa dizia que minha mãe se tornara estéril. Nenhuma dessas "lendas", entretanto, pode aliviar o fato de que nasci e cresci como filha única.
Há em mim uma imensa curiosidade e fascínio pelo que é uma relação entre irmãos.Não conheço, acho, esse sentimento. Irmão deve ser alguém muito próximo, alguém com quem se pode desenvolver todo um código secreto, uma espécie de confraria onde tudo se pode falar, pois o outro há de entender. Pode ser uma fantasia minha, pois em minhas observações durante a vida tenho visto irmãos que se odeiam, que tentam prejudicar uns aos outros, que não tem sequer a menor afinidade, mas ainda assim prefiro a idéia de que ter irmão é uma coisa linda!

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Eu deveria ter uns 8, 9 anos quando o conheci. Não me lembro com muita clareza do momento, às vezes tenho a sensação de que ele sempre esteve lá.
Dos primeiros tempos não tenho muito a contar, memórias de crianças mais se assemelham a um quebra-cabeças feitos em aquarela, lindas peças cheias de imagens, cenas, sons e cheiros em suaves tons diluídos em água...
Mas ele, Toninho, foi o mais próximo de um irmão imaginado...
Era mulato, pobre, eletricista, encanador, um faz tudo, com estória de vida triste e solitária. Mãe hanseniana, naqueles tempos essas pessoas eram isoladas em clínicas distantes, foi criado num colégio interno, que naqueles tempos mesmo recebendo crianças carentes, formavam e educavam com competência.
Ele entrou na minha família através de um tio, Walter, especialista em gente.
E foi meu amigo, meu companheiro, uma das únicas pessoas em quem meus pais confiavam a casa e a filha única quando viajavam.
Culto, informado, leitor assíduo e cinéfilo de carteirinha, passávamos os finais de semana vendo filmes e jogando. Nunca ouvi dele um palavrão ou gíria, prezava a língua e suas regras e era incapaz de um comentário, sobre qualquer assunto, que não tivesse o mínimo de lógica e fundamento.
Contador de histórias, a maioria inesquecível, companheiro de copos e apaixonado por crianças e animais, Toninho foi meu amigo, meu irmão.
Estranho, nos últimos anos, quando ele aparecia aqui para nos socorrer com algum vazamento, pane elétrica, eu abria meu coração, chorava, reclamava dos problemas, medos, falava das minhas preocupações com os filhos, com as netas. Ele, capricorniano típico, me ouvia impassível e após alguns minutos de reflexão opinava de maneira prática e criteriosa sobre o melhor a fazer. Seu julgamento, baseado nesses anos de convívio com todos nós, lhe credenciava, através da inteligência e percepção, a "enxergar" soluções e encaminhamentos.
Era digno, honesto, sério e só assumia suas emoções escancaradas quando tomava umas biritas a mais e telefonava para dizer o quanto gostava de mim, de nós, que éramos sua família e chorava ao telefone de saudades de todos que já haviam partido. Embriagado, abria o coração sensível e delicado.
Uma das minhas tias, Dulce, linda e intuitiva, costumava dizer que Toninho tinha a " alma de príncipe". Tinha mesmo, aprisionada num corpo e num meio que nada tinham a ver com sua real essência.
Toninho foi embora no último sábado. Meses atrás sofreu um AVC e nunca mais se recuperou. Penso que esses meses que se manteve vivo, mas sem reagir mais, foram necessários para que ele deixasse as " roupas" usadas nessa vida e passasse a usar aos de príncipe, que eram suas por direito. E também para que nós, que eu me acostumasse a ser, mais uma vez, filha única, sem irmãos.
Meu caro amigo-irmão, a sua saída, assim, deixou um imenso vazio.

Um comentário:

  1. Ô minha amiga.
    Lindas palavras de uma alma triste...
    Sei o que está sentindo, ele se foi no mesmo dia que minha prima-irmã também se foi, um ano atrás.
    Entendo e compartilho sua dor.

    muita Luz... pra nós... pra eles...

    bjs
    Telma

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