segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Tinha tudo isso....







E tinha uma correria imensa durante a semana. Pedidos de ajuda, de apoio.
E medo, de não dar conta, de errar, de falhar...
E tinha surpresa, boa, chegando de todos lados, braços e abraços e palavras de força e coragem...
E o medo aumentava, tamanha responsabilidade dava frio na barriga, borboletas no estomago.

E tinha uma manhã de sol, linda, sol de inverno, tímido, enfeitando a estrada, mas ainda tinha medo, de errar o caminho, se perder na reta e não chegar...
E tinha a beleza do lugar, montanhas, árvores, paisagem correndo pela janela, certamente celebrando a vida e as iniciativas.
E teve, afinal, a chegada, quando as nossas " armas": panelas, tachos, colheres de pau foram descarregadas numa clara cozinha industrial.
E teve abraços de quem chegou antes, alívio de quem esperava, pois ali também tinha o medo de não ter ajuda, de errar, de falhar..
E tinha, logo, logo, um mar de tomates, batatas, alho e cebola, pepinos e cenouras, de água em panelas gigantescas..
E tinha moças, jovens, lindas, riso, música, palpites, receitas e ainda um frio, sutil, dentro da barriga.
E tinha em pouco tempo, perfume escapando pelo ar, de temperos fritos, de manjericão, de verdura lavada e o ruído da água fervendo.
E a mágica começava a surgir através da comida, cheirosa e caprichada, ficando quase pronta.
E tinha aí a animação, a quase certeza de que iria dar certo, que não erraríamos, que não falharíamos.

Pois do outro lado da rua da linda cidadezinha tinha a pobreza, a dor e o descaso.
Tinha madeira, zinco, plásticos e restos num arremedo de casas, precárias e assustadoras...
E tinha criança, cachorro, gato, mulheres com medo, de que não desse certo, que falhasse...
Mas tinha também a esperança vestida em camisetas com estampa azul onde se lia " Teto"...
E mais meninos e meninas, enfrentando lama, sujeira, trabalho bruto, sempre sorrindo.
E essa meninada é que contava com a gente, com o pequeno pelotão aquartelado na cozinha...
Era 1, era 2, era 100, era mais de 100!
Sim, 100 moços e moças que tinham que comer depois da luta em construir teto digno para que não tem nada...

O frio voltou na barriga...
Tudo era sério, era de verdade, ali, no mundo de verdade, além dos condomínios e bairros protegidos de onde vínhamos..
E tinha agora a certeza de que tinha que dar certo.

Tinha o dia terminado, tinha a noite que começava
E no escuro do tempo vimos tudo acontecer, como suave milagre da multiplicação, de comida e amizade
Ficou pronto o jantar, arrumado, temperado com amor e capricho para alimentar tantos jovens que iam chegando sujos, felizes e humildes diante da experiencia vivida no outro lado da rua,
Até pedra quente eles, certamente, comeriam sem reclamar, pois havia nascido em seus corações e mentes o respeito pelas pequenas coisas,
Mas não tinha pedra quente, tinha comida de verdade, quente, bonita e farta.
Tão farta que, num outro delicado milagre, ainda pode ser dividida com aqueles que nada tinham,
E que agora tinham casinha de madeira, pequena e simples, mas de verdade...

E tinha o fim da história..
A estrada de volta, em silêncio, pois tinha que ter tempo para assimilar tudo que foi visto e marcado, para sempre no coração...
Tinha as luzes da cidade surgindo, tinha o pensamento longe, ao lado de todos os que precisam e de todos que se dispõem a ajudar,
Com palavras, com apoio, com doações, com tempo, com delicadeza, com mente aberta,
E tinha, no final de tudo, a certeza de que se pode fazer muito, que se pode mudar, que se pode fazer parte da chamada "humanidade"...


Para Luiza, fio condutor dessa minha vivência, por sua coragem e garra,
Para todos os meus queridos "apoiadores", não cito nomes por medo de esquecer alguém..rs..
Levei-os, todos, em meu coração e mente todo o tempo que estive no "Teto", construção de Cajamar..
Vocês são parte de um lindo milagre que aconteceu, saibam disso.
 Meu muito, muitíssimo obrigada por isso.

Um comentário:

  1. Nil, que lindo texto e que lindo trabalho.
    Sei muito bem o que é isso, pois já participei de trabalhos comunitários como este e te entendo.
    Mas tudo faz parte da vida e que bom, termos oportunidade de vivenciar estes momentos.
    Continue lá!
    Faz bem pra alma e pro coração da gente...

    bjs de Luz a vc, Luiza e todos os envolvidos neste trabalho maravilhoso!

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