quinta-feira, 25 de julho de 2013

Dakota e Rua Augusta




Meu pai comprou o apartamento ainda na planta. Sentia ele que os tempos da casa da Rebouças estavam contados, minha mãe precisava de um pouco de sossego e privacidade para manter seu "sistema menos nervoso"...
Mas nada acontece, pelo menos com a minha família, como está planejado e mesmo com o apartamento pronto demoramos algum tempo, acho que mais de 1 ano, para morar lá.
Quem inaugurou o imóvel novinho em folha foram minha tia Nair e meu tio Eduardo, ela irmã de meu pai.
 Não me perguntem porque, nem como isso aconteceu, desisti faz tempo de usar a lógica convencional nos assuntos lá de casa. Sei dizer que foi minha tia quem deu o "acabamento" ao imóvel e mandou fazer os armários embutidos, gabinetes e cozinha. Resultado, o quarto que depois foi meu tinha um grande armário com 6 portas que se mostrou quase inútil: as divisões foram pensadas para rapazes ( meus primos): as gavetas foram desenhadas para camisas sociais, bem rasinhas, as portas tinham gravateiros, calceiros ocupavam metade do espaço, o espelho era de meio corpo e não havia um espaço sequer para vestidos mais longos, apenas para camisas e blazers. Um pavor, portanto.
Depois da mudança minha mãe bem que tentou, tadinha, dar um ar mais " feminino" ao meu quarto e com a ajuda de Dona Ivone Cury Barboza ( mãe do meu primo Ruy Fernando Barboza) escolheram carpetes bem fofos e mandaram  forrar o comodo com um lindo papel parede ( feito por um senhor espanhol, um artista, à mão) crú enfeitado com ramalhetes de flores cor-de-rosa matizado bem pálido e folhas douradas. As cortinas de shantung de algodão tinham forros de de voil de seda branco que deixavam o quarto com ar de cenário de filme quando o sol do final do dia era filtrado através delas...
Duas lindas camas de madeira escura completavam o quarto, pois nesses dias minha querida Elisete, irmã de mamãe, morava com a gente e preenchia minha solidão de filha única. Era minha irmãzinha querida. 
Mesmo assim não consegui, como disse, gostar desse apartamento. Algo me oprimia, me limitava e mesmo percebendo o olhar admirado dos amigos que iam me visitar ao entrarem nas salas decoradas com beleza e bom gosto por minha mãe nunca entendi bem o motivo.
De alguma maneira  ao entrar naquele lugar eu soube, no mesmo instante, que minha infância, ou a melhor parte dela, ficara para trás, perdida ou guardada ( não sei bem) para sempre nos lindos jardins cheios de árvores e bichos da avenida Rebouças. Era agora uma quase adolescente e não entendia bem o que isso significava.
Ali  no Dakota comecei a estudar numa nova escola ( Colégio Meira/curso ginasial, onde terminei depois o Curso Clássico, uma abstração cultural que foi retirada, pena, do currículo do ensino médio) e aí encontrei minhas amigas queridas que me acompanham até hoje! E juntas descobrimos a Rua Augusta, em plena década de 60/70!! Pode alegria maior? Era estar na hora certa no lugar certo!
 Hi-Fi, Augusta Discos, Confeitaria Yara ( para os momentos de boas meninas de família), Frevinho e a Galeria Ouro Fino ( para os momentos de não tão boas meninas assim), depois a Freedom ou  a India House e suas roupas indianas, a Drugstore ( que era loja super, hiper descolada), a boutique Paraphernália na Alameda Franca, a Aliança Francesa da Alameda Tiete ( eu e Lia, minha amiga, fomos expulsas de lá por baderna), a Ao Gosto Augusta e seus objetos de design e livros de arte, os motoqueiros e suas jaquetas de couro e bandanas, gente bonita, sorvetes e as coca-colas em copos gigantescos enfeitados com um botão de rosa e um talo de salsão, lembram disso, meninas?
Dias dos Beatles, dos Stones, minissaia, Londres, Hair, hippies, Paris, Saint Laurent e seus "terninhos", Courréges, Paco Rabanne e seu perfume "Calandre" ( os meninos usavam o " Lancaster" argentino) e do começo das contravenções que pretendo contar com mais detalhes numa outra publicação.
 Fico pensando, nesses anos o epicentro do mundo era a Europa, ou melhor, Londres principalmente e todas nós sonhávamos em passear em Carnaby Street e namorar com Paul McCartney..
Foram anos ricos, de aventuras, descobertas, de beleza, de arte, de Masp quase todos os dias, de colégio, dos uniformes azul marinho, laços de veludo enfeitando os rabos de cavalo, de muitas risadas, bailinhos de garagem ao som de Anna " dos Beatles" e Pata, Pata de "Miriam Makeba", de Zefirelli e seu lindo Romeu e Julieta e dos namoros, inocentes e engraçados...
Mal sabia que eu, a menina rica morando numa linda torre de marfim, vivia os mais belos e despreocupados anos de sua vida e que tudo, muito em breve, sofreria uma mudança radical!
Os ocultistas e estudiosos de magia costumam falar em ciclos de  "7 anos". Pois bem, foram exatos 7 anos os vividos assim, no apartamento da alameda Casa Branca. Ou pelo menos os 7 anos em que pude ser, ter e fazer coisas belas e inesquecíveis. Os anos seguintes já não combinavam com as lindas flores cor-de-rosa do papel de parede de meu quarto nem com as suaves baladas dos Beatles, mais isso é uma outra história. Depois conto.

para Lia, Cris, Nancy, Neuza, Silvia, Anete, amigas desses e de todos os outros tempos!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dakota/ Jardins e o boxeur..



Só poderia ser ali, naquele prédio, o lugar para morarmos...
Saímos do casarão da avenida Rebouças em 1965 e mesmo com a conversa toda de morar " em apartamento" moderno, não me conformei, para dizer bem a verdade.
Criança naqueles tempos não apitava e me vi, portanto, numa " gaiola dourada" nas alturas, um décimo-oitavo andar que tinha vista para o Parque Trianon, parte da Avenida Paulista e o MASP. 
Endereço nobre. E chato. E eu odiava.
Sentia falta das árvores (vê-las pela janela não contava), do chão (sob os pés) molhado pela chuva ou quente do sol ( num apartamento só com muita imaginação) e principalmente do espaço aberto e dos bichos.
Mas, destino é destino e a saúde mental de minha mãe que não aguentava mais morar no casarão/comitê político/ casa da mãe joana nos trouxe a esse apartamento que morei por muitos e muitos anos mas nunca, estranhamente, senti como minha casa/lar.
E dessas coisas estranhas e engraçadas que acontecem com a minha família, esse prédio, projeto moderno e afetado de Arão Sahm, com jardins em curva e colunas enfeitadas de pastilhas é reduto de excêntricos.
O Copan tem suas histórias mas esse Ed. Casa Branca não fica atrás. 
Os funcionários  falavam de almas penadas, sombras se deslocando, ruídos durante a noite e fatos esquisitos nas enormes e escuras garagens. Sempre havia alguma coisa, nova e sem lógica, acontecendo por lá, um exemplo: o seu zelador de muitos anos, caiu morto no jardim, assim, sem mais nem menos nem doença anterior e ali ficou, por horas, até a chegada da polícia, para horror e desespero de todos!
Mas isso foi bem depois. 
Quando nos mudamos para lá e apesar das poucas crianças fiz algumas amizades e logo descobrimos, por exemplo, que no último andar do bloco 1 morava um "príncipe"!
Imaginem o assanhamento que ficamos, príncipes sempre foram assuntos relevantes no universo das meninas! E termos um, logo ali, como vizinho e ao alcance das mãos era muita sorte!
Passamos dias e dias " vigiando" a movimentação da portaria e elevadores e nada. 
Crianças que éramos não sabíamos que existiam príncipes e príncipes e que nem todos eram belos, moços ou herdeiros de reinos famosos. 
O nosso revelou-se, triste dia, um senhor baixo e de formato meio cilíndrico, antipático e que praticamente nos expulsou do seu hall numa língua estrangeira. Esse velhinho, quem nos contou foi um outro que fazia as vezes de secretário ou procurador, era parente dessas casas reais italianas, minúsculas e sem importância, daquelas que nunca lembraremos o nome e que, portanto, jamais seria assunto para conto de fadas. O apartamento, parte de seu pequeno patrimônio permanecia fechado por meses e meses seguidos e não seria, tínhamos certeza, palco de nenhuma festa maravilhosa. Foi uma decepção!
A outra pessoa famosa que morava por lá era Seu Martins, assim todos chamavam o velhinho simpático, amoroso e sempre atencioso que distribuía seu sorriso largo e amigo para as crianças, funcionários e quem mais encontrasse. Ele, não tão famoso, mas pai dos famosos pianistas José Eduardo e João Carlos Martins e do Prof. Ives Gandra Martins que sempre circulavam pelo prédio em visita aos pais. Foi em seu apartamento, lindo e muito bem decorado que Daniel, meu filho, viu pela primeira vez e se apaixonou por um maravilhoso piano de cauda.
Tínhamos como vizinhos muitos anônimos mas alguns com excentricidades: Dona Vali, por exemplo, uma senhorinha que aprendeu a língua japonesa praticamente sozinha e acabou virando professora de português para executivos japoneses e suas famílias que iam e vinham de seu apartamento e nos brindavam com mesuras e salamaleques caso nos encontrassem nos elevadores! 
Havia também um neurótico de guerra apelidado, carinhosamente, de "Frankenstein" pelas crianças cujo divertimento era acertar tiros de espingarda de chumbo nos meninos que jogavam futebol no pátio ( ao lado de sua janela). Os gritos e risos da meninada jogando despertavam as mais atrozes lembranças em sua mente perturbada!
 Foram nossos vizinhos alguns artistas plásticos sem fama e de teatro bem conhecidos como Marco Nanini ( que, acho, mora até hoje por lá), pessoas com histórias obscuras ( joalheiros que viviam quase isolados do mundo, diziam que eram judeus que haviam escapado das garras dos nazistas), médicos famosos em suas especialidades e muitos estrangeiros.
Meu pai, senador nessa época, de certa forma fazia parte das celebridades do prédio, mas perdia de longe, em popularidade para Éder Jofre, famoso atleta, pugilista que havia sido campeão mundial de boxe em 1960 na categoria peso galo e que morava 4 andares abaixo de nós.
Casado de pouco com "Cidinha", ambos falantes e muito agradáveis logo fizeram amizade com meus pais e minha mãe  vez ou outra os recebia para um café e vice-versa ( e ambas socorriam-se quando precisavam de indicações de empregadas). Ali, naquele prédio nasceram suas crianças e por muitos anos mesmo quando já não morava mais lá e ia visitar meus pais, encontrava com eles nos elevadores e  conversávamos durante o trajeto. 
Os Jofre saíram de lá anos antes de minha mãe, última de nós a deixar o "Dakota".
Li essa semana nos jornais que Éder Jofre, aos 77 anos, está com Alzheimer e teve o quadro mental comprometido após a morte da esposa meses atrás.
Fiquei triste, bem triste, primeiro com a notícia da morte dela, pessoa bacana, risonha, apaixonada pelo marido e filhos. E também por ele, sempre tão ativo, tão exuberante e cheio de vida, falando alto com o seu sotaque italianado e que morria de rir com minha mãe, outra barulhenta. Quando se encontravam na portaria do "Dakota" era sempre uma festa.
Mesmo não gostando do prédio não posso negar que tenho muitas histórias por lá.
Gente de todos os tipos, festas, brigas com vizinhos, discussões em reuniões de condomínio e, principalmente, boas e lindas lembranças dos meus dias de menina e adolescente ao lado de meus pais e de um pessoal tão interessante que fazia desse um edifício bem engraçado.

PS- Chamo o Edifício Casa Branca de  " Dakota" em homenagem ao célebre prédio de Nova York que dentre outras coisas, foi cenário do filme de Polanski, "O bebê de Rosemary" e é também até hoje o endereço de Yoko Ono Lennon.

domingo, 21 de julho de 2013

De volta...





Pois então, foi assim:
Esse blog criei anos atrás.
Chamei de "Lost in Space, sometimes".
O nome, uma homenagem ao seriado de TV "Perdidos no Espaço" (Lost in Space, da 20th Century Fox), inesquecível para os que como eu o acompanharam na década de 60, acabou gerando apelidos entre nós: meu amigo Newton Nazaro me chama de "Madame" , relembrando a personagem de June Lockhart "Maureen Robinson", matriarca da expedição que se perdeu no espaço e eu, em troca chamo o amigo de "Major", personagem de Mark Goddard, "Major  Don West", eterno perseguidor do maravilhoso ícone do mau-caratismo Dr Zachary Smith (criado pelo saudoso Jonathan Harris).
Não, não tem, portanto, nenhuma conotação com existencialismo ou outra corrente do pensamento/filosófico/psicanalítico, o "perdido/lost" do título do meu blog, acho que já passei dessa fase de me sentir assim e penso tê-la superado numa boa.
Verdade que andei meio muda, não sem assunto, mas com preguiça monumental de escrever e somente depois desses últimos dias, passados em Curitiba/Paraná, me animei.
O tema "perdido" só que agora no ao invés de  "espaço" é no " tempo" foi a sensação que me chegou desses dias.
Dado, Curitiba é o lar da minha velha sogra, matriarca empedernida dona de sangue árabe, sírio-libanesa, senhora, portanto, aferrada às antigas tradições de "mandonices" sem fim e especialista em "pitacos" sobre a vida dos que a rodeiam. Genético isso, não tem como discordar não. Garanto.
O fato é que nesses dias que acompanhei o marido (meu) nesse périplo mais de consciência que afeto, embora no meu caso seja afeto, pois consciência mesmo não sei se ando tendo, calhou de eu acompanhá-la ao médico para exames.
E percebi, perplexa, a não menos perplexidade e tristeza dela, que se transformou em poucos minutos numa grande depressão, diante do fato de o médico não ter encontrado nada de realmente "grave" nas imagens dos exames ali feitos. Diagnóstico: idade, disse ele, em outras e mais delicadas palavras.
A velha sogra não gostou, não aceitou e não engoliu.
Como não aceitou e nem nunca aceitará ter 83 anos, disse e repetiu para a nora, eu, com cara de paisagem, inútil, claro. Não aceitou nem aceitará as limitações,  a bengala, uma acompanhante. 
Prefere se "auto-aprisionar" (palavras dela) dentro de casa a ser vista tendo alguém para segurar em seu braço. Como se fosse crime ou vergonhoso. Tantos nãos, nãos, nãos...
Uma velhice feita de nãos... E nos últimos dois dias, dos quatro que passamos com ela foi assim. Cara fechada, sem conversa, sem perguntas, sem trocar, sem olhar de verdade. 
Falei sozinha, das minhas limitações enquanto cultivadora de "osteoporose" que não me permite mais salto alto, grandes caminhadas em terrenos acidentados, subir escadas, uma enorme falta de força nas mãos que não me deixa abrir tampas de vidros e garrafas pet, dores constantes. Não me ouviu,  nem me olhou mais. Acho que não me levou a sério pois conto sobre essas mazelas com certo humor e sem pêso. Sem contar que são mazelas de outra pessoa e não dela...
Pensei e acho que, olhando para trás, raramente a vi sorrir ou rir, de verdade, nesses 15 anos que convivemos.
Nem mesmo em nenhuma de nossas chegadas lá para ficarmos com ela mereceu um sorriso.
E só agora percebi.
Não sei se um dia ficarei assim, tão dura e amarga, por hora não estou perdida no tempo (rs), apenas no espaço e isso tem suas vantagens: posso ir e vir nas minhas lembranças quando tiver vontade e escolher com quais ficar. 
Tenho escolhido ficar com as boas...

Para Roberto Elias Salomão, Andrea Caldas, Gil e Ruy, meu primo.